Como o home office permanente pode afetar o seu negócio depois da pandemia

Como o home office permanente pode afetar o seu negócio depois da pandemia

Trocar a ida ao local de trabalho pelo home office, aulas presenciais pelo EAD, e visitas ao consultório médico pela telemedicina são exemplos de situações que a tecnologia já permitia, mas que eram retardadas por fatores culturais e econômicos. Assim como o sonho de morar em casas grandes e locais com muita natureza, afastados das grandes cidades era um sonho que muitos tinham, frustrado pelo trânsito caótico das metrópoles brasileiras.

Crianças com aulas 100% online e a mudança para casas maiores, em condomínios arborizados em cidades menores, como fizeram os mais endinheirados, são situações que têm data para acabar: a da descoberta de uma vacina eficaz, seguida da vacinação em massa de milhões de brasileiros. Mas o home office permanente é uma tendência que pode persistir indefinidamente no mundo pós pandemia, trazendo grandes ameaças e oportunidades para empresas dos mais diversos ramos.

O Home Office durante a pandemia

Na Europa, apenas metade das pessoas retornou integralmente ao trabalho, indo aos seus escritórios alguns dias por semana, enquanto um quarto delas permanece trabalhando de casa. Não há números do Brasil, mas as empresas que podem, mantém o máximo de pessoas em home office, não somente pela questão da responsabilidade por sua saúde, mas pelos custosos e complexos preparativos para reunir muitas pessoas em um mesmo ambiente.

O que parece curioso é que muita gente parece ter gostado da experiência do home office, e estaria disposta a continuar nessa modalidade de trabalho. O sistema já era adotado há muito tempo por trabalhadores freelances, como designers e programadores, mas era visto com reservas por outros profissionais, empresas e pelos próprios clientes, que muitas vezes tinham receio de fazer negócios com quem nem mesmo tinha um escritório próprio.

Do ponto de vista administrativo, sempre houve resistência de muitos gestores em não ter suas equipes trabalhando sob supervisão direta e constante. Os profissionais, por sua vez, temiam que se o limite entre casa e local de trabalho se tornasse mais poroso, a vida pessoal e familiar seria a mais prejudicada.

A experiência prática a que todos foram submetidos, até o momento, parece ter comprovado aquilo que os defensores do trabalho remoto sempre defenderam: Que para pessoas responsáveis, que cumprem metas, horários e prazos, estar em casa ou na empresa não faz diferença. E os gestores mostraram ter meios para lidar com quem teve problemas em se adaptar ao novo esquema de trabalho, ou confundiu home office com férias remuneradas.

Home office x Trabalho presencial no Brasil

Na realidade das grandes cidades brasileiras, é fácil entender porque muita gente gostou do home office, e não sentiu que sua vida pessoal e familiar tenha sido mais sacrificada pela situação, mesmo que tenha ficado algum tempo a mais respondendo e-mails do que seria o seu horário comum de expediente. Aliás,  pelo contrário: Ao serem perguntadas, muitas pessoas respondem que sua qualidade de vida melhorou em alguns aspectos.

O deslocamento de casa para o trabalho, e vice-versa, para a grande maioria dos brasileiros que moram nas grandes cidades, sempre foi uma experiência estressante, de algumas horas por dia presos em congestionamentos ou apertados em uma estrutura de transporte público precária e superlotada, tendo que se preocupar também com a violência urbana, fonte de traumas para quem já passou por situações de assalto no trajeto.

As pessoas dizem que estão felizes no home office

A declaração das pessoas de que estão felizes no home office deve ser vista com algum ceticismo, ou contextualizada? Depende. Se por um lado, existem os ganhos que citamos, pelo outro, a recessão causada pela pandemia colocou o fantasma da perda do emprego na vida de muita gente, que agindo racionalmente, jamais se queixaria do sistema que manteve seu emprego, inclusive para não ser vista como alguém com atitude negativa.

Para o filósofo Mauro Weber, a tecnologia mudou bastante a maneira que as pessoas se relacionam, não somente permitindo fazer remotamente reuniões de trabalho que antes só eram possíveis presencialmente, mas as próprias relações pessoais já haviam sido impactadas pela tecnologia, através das redes sociais e aplicativos de relacionamento. A pandemia somente acelerou uma tendência que já se apresentava.

Mauro dá como exemplo dos relacionamentos proporcionados por apps como o Tinder. Se antes um relacionamento só era possível se as  pessoas se encontrassem pessoalmente, e houvesse um flerte, uma paquera, hoje esse ritual acontece através dos meios tecnológicos, e quando as pessoas se encontram presencialmente pela primeira vez,  o relacionamento pode evoluir muito rápido, porque muitas questões já foram resolvidas online.

Entretanto, o filósofo alerta que, por mais que a tecnologia permita que quase tudo seja feito à distância, essa é uma experiência incompleta quando comparada à interação real entre as pessoas. O ser humano é um animal social, cuja comunicação é feita através de palavras, mas também de gestos, olhares e outras formas não verbais, que a tecnologia não pode igualar. E sempre há o risco da frustação quando se comparar o real com o que se viu em um vídeo.

Na realidade dos negócios, além do home office, lives e eventos híbridos foram as soluções encontradas para evitar que o mundo parasse completamente durante a pandemia. Mas é bom lembrar que quando as pessoas se reúnem, surgem ideias inovadoras ou acontece o networking que abre a possibilidade de novos negócios, parcerias e contratações.

Embora se possa tentar criar eventos virtuais com esse objetivo, além de não ser possível simular neles a linguagem não verbal dos encontros presenciais, muitas vezes as interações que geram valor ocorrem por obra do acaso, algo que não se pode levar para o ambiente virtual.

Empresas adotarão home office permanente?

Passado o choque inicial da transição forçada para o home office, com os bons resultados dos profissionais trabalhando de casa, muitas empresas já decidiram que vão adotar o home office permanente. A principal razão é que entendem que podem cortar vários custos que têm com aluguéis, condomínio e manutenção de uma estrutura maior, que se tornaria mais enxuta, e seria mais um local para treinamentos e reuniões do que para o trabalho em si.

Com as empresas enxergando a possibilidade de uma bem vinda redução de custos em um ambiente recessivo e os colaboradores aparentemente confortáveis e felizes, a tendência parece irresistível, mas os sinais enviados são contraditórios, inclusive pelos grandes ícones corporativos.

Em São Paulo, a XP Investimentos causou frisson ao anunciar o projeto da Villa XP, em que seus 2.700 funcionários deixariam a sede atual da corretora, na Avenida Faria Lima, para uma nova sede a ser construída nos arredores de São Paulo. Mas somente uma parte do seu time de colaboradores iria diariamente para a Villa XP. A outra parte ficaria em home office permanente.

Por outro lado, o Facebook fechou o maior negócio do mercado imobiliário paulistano em 2020, alugando 30% de um dos mais modernos edifícios comerciais triple A da Avenida Faria Lima.  Essa é uma política mundial do Facebook, de se estabelecer em endereços de prestígio nas principais cidades do mundo, como Nova Iorque e Seattle e Londres, entre outros grandes centros urbanos.

Quem também aposta em tentar retomar a vida normal é a Blomberg, que em Londres oferece um estímulo adicional de 55 libras diárias para que seus funcionários deixem o home office e voltem ao trabalho na sede britânica da empresa.

Os passos dos ícones corporativos não são necessariamente contraditórios, porque são resultado de estratégias traçadas muito antes de o mundo ouvir falar de coronavirus. Tanto por parte de quem já acreditava na ideia do home office, como para quem nem pensava nisso, ou não gostava da ideia. Mas, para tomar a melhor decisão, os CEOs das empresas  precisarão levar em conta que existem pessoas e pessoas. E entendê-las pode não ser tão simples.

De acordo com a psicóloga Triana Portal, membro da Sociedade Brasileira de Psicologia e pós-graduada em Psicologia Clínica pela USP, se adaptar ao home office quando ele não for mais uma imposição sanitária é algo que dependerá da personalidade de cada pessoa, do ambiente onde ela irá trabalhar e de como reage aos estímulos desse ambiente, seja o escritório tradicional ou a residência.

Segundo ela, algumas pessoas podem entregar resultados melhores em home office porque muitas vezes os estímulos de um escritório tradicional, como conversas paralelas, telefone, perguntas sobre outros assuntos ou brincadeiras entre colegas, podem tirar sua concentração e diminuir sua produtividade. E se essa pessoa consegue implementar seu home office em um ambiente mais isolado desses estímulos, ela tende a produzir mais.

Por outro lado, também performa bem em home office quem consegue se concentrar mesmo com a presença de cônjuges, filhos e animais de estimação. E principalmente, quem não precisa da supervisão constante de um chefe. Segundo a psicóloga, quando o home office for uma questão de escolha, os profissionais de recursos humanos deverão saber apontar quem precisa, ou não, de um chefe no mesmo ambiente para ter uma boa performance.

Finalmente, a psicóloga afirma que existem pessoas que realmente precisam sair de casa para trabalhar, que se sentem bem não somente em ter o seu espaço exclusivo para o trabalho, mas também em encontrar clientes e colegas. E que mesmo alguém que se sinta mais confortável interagindo online com clientes e colegas, precisa da experiência presencial, pelo menos de vez em quando.

Segundo ela, que concorda que a experiência online remota é incompleta , quando comparada à presencial, quem se acostuma a ter nessa a principal, ou única, forma de interação social pode não só não saber o que fazer quando tiver que lidar com outras pessoas presencialmente, como pode até desenvolver uma fobia social.

Embora pareça uma frase um tanto “clichê”, a Dra. Triana acredita que o futuro pode ser um equilíbrio entre o home office e o trabalho tradicional, e que o ser humano aprende, especialmente se a situação obriga. Um profissional totalmente avesso ao home office e às interações remotas pode aprender a lidar melhor com a situação, e acrescentar mais essa competência ao seu arsenal.

Como o mercado está se preparando para o mundo pós pandemia

De todos os setores da economia, o que merece ser observado mais de perto para tentar detectar alguma tendência é o mercado imobiliário, já que as incorporadoras precisam planejar hoje os produtos que seus clientes utilizarão em um prazo de 3 a 5 anos. E a questão é muito mais ampla do que a demanda que terão, ou não, prédios com grandes lajes comerciais, em que empresas compram ou alugam um ou mais andares inteiros.

A questão é também como serão seus produtos residenciais. Nos últimos anos, grandes metrópoles. como São Paulo, foram tomadas por lançamentos de apartamentos studio cada vez menores. Essa solução funcionou por muito tempo, conciliando as necessidades de um público que não desejava residências com alto custo de manutenção com o preço cada vez mais alto dos terrenos em áreas valorizadas.

Apartamentos studio, que os maiores têm áreas que variam entre 20 m² e 35 m², e os menores entre 10 m² e 20 m² , foram pensados para pessoas solteiras, que saiam para trabalhar de manhã e voltavam à noite, não passando muito tempo em casa. Uma situação que muda com o home office, mesmo que parcial. E que exigirá adaptações tanto nos apartamentos em si, como nas áreas comuns dos condomínios.

O arquiteto Gabriel Bartholomeu, do escritório de arquitetura Arve, já começou a receber demandas das incorporadoras por projetos de prédios de apartamentos que contemplem também um espaço para o home office. Ele também percebe a tendência de as empresas migrarem para espaços menores, e de uma demanda maior por coworkings, com empresas e profissionais utilizando salas de reunião e posições de trabalho somente quando precisarem.

O que você precisa saber sobre o efeito do home office permanente

Se a tendência do home office, mesmo de uma maneira parcial, alternando dias de trabalho presencial e remoto, se confirmar, o impacto na economia pode ser muito maior do que empresas do mercado imobiliário mudarem seus produtos residenciais e comerciais. A questão atinge toda uma cadeia de valor, o ecossistema de negócios criado ao longo de décadas nas regiões comerciais das grandes cidades.

Tomando o exemplo de São Paulo, regiões como a Av. Faria Lima, Luiz Carlos Berrini ou Paulista têm ao redor de seus prédios comerciais, restaurantes, bares, estacionamentos, postos de combustível, comércios diversos, academias, e centros de lazer e serviços, como Shopping Centers. São negócios que existem na sua atual quantidade e dimensionamento, para atender aos milhares, milhões, de pessoas que trabalham nessas regiões.

Fazendo uma estimativa superficial, se todas as empresas dessas regiões adotarem um dia semanal de home office, estaríamos falando de uma redução de 20% no fluxo de pessoas para essas regiões, impactando diretamente a demanda por serviços nelas. Se elas diminuírem a área que ocupam, haverá uma grande vacância de imóveis nessas regiões, com a queda nos preços dos aluguéis persistindo após a pandemia.

No médio prazo, a queda dos aluguéis nas regiões de metro quadrado mais caro pode atrair novos locatários, que terão outro perfil. Mas o fato é que em algum lugar, um prédio comercial ficará mais vazio, prejudicando negócios locais que dependem do fluxo de pessoas para aquela região.

Obviamente, existe a possibilidade de o home office gerar seus próprios problemas no longo prazo, tanto para as empresas, como para as pessoas, que podem desejar sair de casa todos os dias, como faziam antes da pandemia. E o que é percebido como ganho em qualidade de vida se tornar um motivo para infelicidade. Ou ainda, que isso aconteça com um grupo de pessoas, e com outro, não.

Independentemente do que aconteça, o home office permanente e o esvaziamento dos escritórios tradicionais será a tendência de curto e médio prazo para o pós pandemia, e profissionais e empresas devem se preparar, com estratégias para cortar custos e aumentar faturamento.

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